Máquina Sensível:
compartilhamentos poéticos
ou como dançar com robôs e
produzir estrelas
por Silvana Marcelina

por Silvana Marcelina

Abaixo vc encontra um audio acessivel desse texto




Jonas Esteves é um artista curioso e sensível aos compartilhamentos entre os seres e os objetos. Sua pesquisa, de modo amplo, tem intentado nessa direção: a de escavar e de provocar interações insólitas, até muito despercebidas. Brinquedos, minimotores, plantas, robôs, pessoas e luz são alguns dos elementos que Jonas tem estirado plasticamente promovendo zonas de contato. É nas relações que derivam de tais zonas que a poética de seus trabalhos reside. Há um gesto de coser, miudinho, em que o artista vai criando novas possibilidades de convivência entre o natural e o artificial.

Em Máquina Sensível, o artista explora as possibilidades de compartilhamento mútuo entre natureza, ser humano e máquina. No projeto, três aparelhos (a X-plorer, a Parasite Vírus e a Companion) se conectam a um corpo e a um ambiente. A partir do encontro entre esses elementos, inicia-se uma interação de variadas camadas. A X-plorer é um vestível, uma espécie de colete ou mochila que acoplamos às costas; ela coleta dados do ambiente (qualidade do ar, temperatura, umidade, pressão e altitude) em que esse corpo está inserido e emite para ele respostas através de luzes e vibrações. O corpo por sua vez sente-se compelido a experimentar movimentações, trocas de ambientes e outros gestos a fim de decodificar tais respostas. Ao mesmo tempo, a Parasite Vírus, um pequenino computador em formato de bracelete, recolhe os dados da X-plorer e os processa produzindo constelações, visíveis numa mini tela. As constelações são produzidas constantemente e vão esmaecendo e se sobrepondo, tal qual o brilho das estrelas nos alcança mesmo que elas já tenham desaparecido no universo. Já o Companion é o diário que registra essa espécie de dança que vai se construindo nesse contato. Corpo-máquina-ambiente estabelece uma relação mútua de afetação, um compartilhamento poético que põe abaixo qualquer vulto de uma relação utilitarista.

As máquinas que fazem parte do projeto podem ser facilmente comparadas às ferramentas de um explorador em sua jornada, mas creio que as obras do artista propõem uma relação que não se realiza de modo unilateral como é entre um explorador e aquilo que ele explora. Ao buscar modos para provocar nossa sensibilidade sobre aquilo que nos rodeia, sobre as paisagens que habitamos e que nos afetam, Jonas faz mais do que reproduzir a lógica colonialista de estar sobre o mundo, ele nos convida a refletir sobre modos de estar no mundo. Nessa esteira, seu trabalho dialoga com a perspectiva de compartilhamento que Nego Bispo nos apresenta em seu livro a terra dá, a terra quer (2023): “no compartilhamento temos uma ação por outra ação, um gesto por outro gesto, um afeto por outro afeto. [...] O afeto vai e vem. O compartilhamento é uma coisa que rende.”. E rende mesmo! Na experiência que tive com os dispositivos, além da relação com eles e o espaço em que eu estava, também se estabeleceu uma relação com as pessoas ao redor, que compartilharam sua curiosidade, seus conhecimentos e suas relações com os objetos que compunham o aparato maquínico. Portanto, há ainda uma camada do trabalho que não está dada a priori, mas que amplifica ainda mais seu anseio. A experiência de Máquina Sensível reverbera nas pessoas pelo mero compartilhamento de sua presença. Ela desperta não só os sentidos do corpo que veste os aparatos, mas também os imaginários e as memórias dos outros. Ela afeta ao redor.

Por outro lado, por ser um projeto aberto, em processo, ele é afetado também pelo acúmulo das experiências que vai proporcionando. Desde a idealização às experiências que passou até então com pessoas diferentes, mudanças foram sendo realizadas nos dispositivos. Essa porosidade do trabalho é um gesto gentil e consciente do artista que busca justamente a potência do contato ao invés de conferir à obra o status (rígido) de uma verdade discursiva sobre o contato. Por isso as investigações do trabalho se desdobram no campo da arte e não, especificamente, no da ciência.

Máquina sensível segue um lastro do gesto terno do artista em nos provocar constantemente sobre outros modos de nos relacionarmos com a natureza e também com os aparatos tecnológicos. Tateia um caminho de agregação se distanciando da lógica comum de que a tecnologia nos aparta das pessoas e da natureza. E esse caminho se estabelece num gesto poético. É um convite para dançar com robôs e, com isso, produzir estrelas.

*Os dispositivos que compõem o projeto foram experimentados pela autora no dia 16 de outubro de 2023 no Centro Cultural Banco do Brasil e arredores, numa manhã ensolarada e fresca.